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Os arquétipos e os Jogos de Vídeo Game

Os arquétipos e os Jogos de Vídeo Game

Edna G. Levy

O vídeo game está presente em todas as classes sociais e permeia as últimas quatro gerações, provocando reações favoráveis e desfavoráveis com relação aos efeitos dos jogos em seus usuários.  Minha proposta é olharmos os roteiros dos jogos de vídeo game sob o ponto de vista simbólico e arquetípico.

 Origem

A indústria de vídeo games se estabeleceu utilizando a mão de obra e recursos da indústria de cinema de Hollywood e desta forma sofreu sua influência.

Os aficionados confirmam isto, pois dizem que um bom videogame é como um bom filme, você se apaixona por um determinado personagem, e passado algum tempo, detalhes podem ser esquecidos, mas quando você o vê novamente, aquela sensação mágica da história vem à tona.

A Influência de Jung e Campbell nos Roteiros de Cinema

Jung apresentou ao mundo a sua idéia de um inconsciente coletivo, uma parte mais fundamental da psique humana que é comum a todos os homens, em todos os tempos e lugares, uma espécie de herança psicológica comum a toda humanidade. Define que “o inconsciente contém não apenas componentes pessoais, mas também impessoais, em forma de categorias, ou arquétipos“.

Os arquétipos se expressam por meio de símbolos que se manifestam nos sonhos e nos mitos de todas as culturas. Os mitos são metáforas da nossa realidade interna mais profunda, revelam a natureza da alma.

Joseph Campbell é reconhecido por seu profundo estudo dos mitos da humanidade, diferenciando-se dos outros pesquisadores por evidenciar os elementos comuns que revelam a unidade entre eles, mostrando, dessa forma, a importância do inconsciente coletivo.

Em 1949 Campbell publicou o livro “O Herói de Mil Faces”, em que demonstra que cada herói adquire a face de sua cultura específica, mas sua jornada é sempre a mesma, vivendo sempre o mesmo mito, um “monomito”.

Em 1983, Campbell é convidado por George Lucas para assistir à estréia de Star Wars. Neste momento torna-se público que o roteiro foi inteiramente elaborado segundo o monomito de Campbell, sendo que as diferentes etapas da jornada do herói são fielmente obedecidas.

Christopher Vogler – um analista de histórias dos estúdios Disney – escreve em 1985 um memorando interno (sete páginas) com o assunto: “Guia Prático para o Herói de Mil Faces”, e distribui para os roteiristas de seu trabalho como uma contribuição para uma maior eficiência dos roteiros.

Em pouco tempo, o memorando de Vogler se tornaria um livro, intitulado “A Jornada do Escritor”, que seria admirado como uma bíblia do roteiro por roteiristas americanos novos e antigos.

Ele ajustou o monomito de Campbell à estrutura dramática tradicional, sintetizando assim Jung e Aristóteles, Campbell e Hegel, numa nova técnica de roteiro.

Em A Jornada do Escritor, Vogler faz um apanhado das estruturas míticas nas narrativas heróicas, a partir dos estudos de Jung e Campbell, inserindo as etapas da Jornada do Herói, condizentes às funções de cada ato na “Estrutura em três Atos” (início, meio e fim). As etapas da Jornada do Herói podem ser literais ou metafóricas.

A linha da história do monomito é simples: O herói sai de seu ambiente familiar e seguro para se aventurar num mundo estranho e hostil – feito, por exemplo, de labirintos, cidades estranhas, outras dimensões, etc. Enfrenta um conflito de vida ou morte com um antagonista poderoso; a certa altura, parece que ele não poderá escapar à destruição, mas o herói acaba por triunfar.

Roteiros: A tradicional Estrutura em três Atos e a Jornada do Herói

A comunidade de roteiristas de Hollywood decretou que uma boa história tem um começo, um meio e um final.

Ato 1: As histórias mais cativantes começam introduzindo o público dentro da ação ou do drama da história. O objetivo é capturar a atenção e apresentar o problema.

No vídeo game este ato é um pouco mais longo, pois o jogador precisa aprender a usar o jogo e criar um vínculo com o personagem antes de o problema ser introduzido, o que permitirá ao jogador identificar-se e assumir o papel do personagem.

Ato 2. No meio da trama são apresentados os obstáculos que se interpõem no caminho das habilidades do personagem em resolver o problema. Este ato compreende a estrutura da tensão dramática na história, pois normalmente, existe uma série de barreiras que o personagem precisa superar.

No jogo, não há limite de tempo como no cinema, voltas e mais voltas podem ser dadas e outros truques que ajudam a criar a ilusão de liberdade para o jogador, bem como um mundo de jogos realistas com experiências infinitas. Os jogadores também têm a opção de escolher entre diversos caminhos, o que pode ainda permitir uma experiência mais rica.

Ato 3: A história termina quando o problema introduzido no ato1 tenha sido resolvido. O personagem frequentemente tem que confrontar e remover cada obstáculo do ato 2 para alcançar a resolução do problema.

No jogo, pode haver muitas formas para solucionar o problema, que são especificamente relacionadas com os muitos caminhos disponíveis para os jogadores escolherem. O final do jogo tem um significado para o jogador, pois corresponde às consequências das ações escolhidas, e esse final pode variar desde o sucesso total até o completo fracasso – é aventura do herói.

 Apresento um quadro onde observamos o casamento da Estrutura em três Atos de Aristóteles e Hegel com a Jornada do Herói de Campbell, e as tarefas do herói no jogo de vídeo game. 

Jornada do Escritor O Herói de Mil Faces As Tarefas do Herói no Jogo
Ato I Partida, separação  
1. O Mundo Comum Mundo Cotidiano O herói é apresentado em seu dia-a-dia.
2. Chamado à Aventura Chamado à Aventura A rotina do herói é quebrada por algo inesperado, insólito ou incomum.

(surge o oponente ? frustração)

3. Recusa do Chamado Recusa do Chamado Herói não quer se envolver.
4. Encontro com o Mentor Ajuda Sobrenatural O mentor pode ser tanto alguém mais experiente, como uma situação que o force a tomar uma decisão.
5. Travessia do Primeiro Limiar Travessia do Primeiro Limiar Herói decide ingressar num novo mundo. Sua decisão pode ser motivada por vários fatores, entre eles algo que o obrigue, mesmo que não seja essa a sua opção.
Barriga da Baleia
Ato II Descida, iniciação, penetração  
6. Testes, Aliados, Inimigos Estrada de Provas No mundo especial – fora do ambiente normal do herói – em que passará por testes, receberá ajuda (esperada ou inesperada) de aliados e terá que enfrentar os inimigos.
7. Aproximação da Caverna Oculta

 

 

 

Encontro com a Deusa

A Mulher como Tentação

Sintonia com o Pai

O herói se aproxima do objetivo de sua missão, mas o nível de tensão aumenta e tudo fica indefinido – Inicio da confrontação.
8. Provação Suprema Apótese Auge da crise – continua a confrontação.
9. Recompensa A Grande Conquista Passada a provação máxima, o herói conquista a recompensa.
Ato III Retorno  
10. Caminho de Volta

 

Recusa do Retorno

Vôo Mágico

Após ter conseguido seu objetivo, ele retorna ao mundo anterior.
11. Ressurreição

 

 

 

Resgate de Dentro O herói pode ter que enfrentar uma trama secundária não totalmente resolvida anteriormente.
Travessia do Limiar

Retorno

Senhor de Dois Mundos

12. Retorno com o Elixir Liberdade de Viver O herói volta ao seu mundo, mas transformado – já não é mais o mesmo.

 

Ambientes Virtuais Interativos Criam Envolvimento Emocional

Nesta aventura o caráter dos personagens principais é revelado utilizando uma tecnologia avançada que proporciona ambientes virtuais interativos com recursos, limites e adversidades condizentes, criando um envolvimento emocional.  O jogador explora e tenta compreender este mundo de fantasia para aprender a agir e ter o controle sobre ele.

A narrativa nos jogos de videogame apresenta uma diferença significativa, ao invés da narrativa linear do cinema adota outros tipos que permitem a interação do jogador. Podemos observar,

– Narrativa em ramificações consiste em oferecer uma escolha ao jogador, a certa altura do jogo, em que ele pode fazer uma escolha, de modo que a partir dali sejam criados dois ramos da história.

– Narrativa de caminhos paralelos: Em determinados pontos as ramificações voltam a se encontrar no que seria o ramo central da história, oferecendo ainda muitas escolhas ao jogador, mas deixa a trama um pouco mais amarrada, o que pode comprometer a experiência.

– Narrativa em linhas: onde existem vários mini-arcos interligam em diferentes pontos e podem ser experimentadas em qualquer ordem. Possibilita um maior poder de expressão, pois permite o jogador a tomar várias decisões que influenciam drasticamente o jogo, até a possibilidade de haver vários começos, meios e fins.

Por meio de sua fantasia e imaginação, o jogador, definirá o rumo da história, optará por determinadas ações, criará estratégias dentro de um sistema de idéias e terá um final – conseqüência de suas escolhas. Portanto, possibilita uma vivência simbólica através dos arquétipos presentes na sua história.

Personagens Arquetípicos

Os personagens principais dividem-se em: Protagonistas, que agem e fazem as coisas acontecerem, e os Antagonistas que assumem uma posição oposta aos primeiros – é o clássico conflito de luz x sombra.

Os arquétipos são utilizados por todos os meios de comunicação, com o objetivo de capturar a atenção do expectador e fazer uma conexão, nos Jogos de vídeo game eles assumem a mesma função. Alguns dos arquétipos sempre presentes nos roteiros de vídeo game são: Herói, Vilão, Mentor, Aliado, Guardião, Trickster e o Arauto.

A partir de Jogos medianamente elaborados, o jogador escolhe e constrói as características dos personagens principais – CRIA O AVATAR – com o qual se identifica e o personifica no jogo.  Avatar significa transformação e transfiguração – o jogador interage pelas mãos do Avatar.

Estes personagens devem assumir a função de um signo, ou seja, quanto mais icônica for uma representação, ou seja, menos realista e detalhista, mais empatia esta representação despertará no jogador. Isto acontece porque o cérebro tenta preencher as lacunas com referências que ele possui – as do jogador.

Em alguns casos não mostrar alguma coisa acaba tendo mais impacto do que mostrá-la, a insinuação é o suficiente para capturar a atenção e fazer a conexão.  Esta técnica faz-se presente em jogos, onde mal vemos o Avatar e não escutamos a sua voz e, em virtude disso, o jogador mergulha profundamente em seu papel, mantendo-o assim mais suscetível às reviravoltas da trama.

Os personagens ganham evidência ao traduzirem temas universais que estão em ressonância com os jogadores, atendendo às necessidades de expressão dos conflitos constelados naquele momento.

Vogler descreve em seu manual, sete personagens arquetípicos e a cada um atribui uma função dramática e uma função psicológica dentro do roteiro:

Personagem arquetípico Função Dramática Função Psicológica
Herói Buscar a identificação do jogador e buscar a própria superação  “eu”
Vilão Desafiar  sombra
Mentor Ensinar  Si-mesmo
Guardião Testar  complexos
Aliado Trazer Anima-Animus
Trickster Rever o “Status Quo função transcendente

 

 

 

 

 

 

 

 

De todos os mitos, o mais comum e o mais conhecido é o mito do Herói. Ele surge nas mais distantes e diferentes culturas – e todas as suas versões, embora sejam diferentes nos detalhes, são estruturalmente muito semelhantes. Obedecem a uma forma, um padrão, é universal.

Como já disse antes, o Herói é sempre apresentado no inicio da história com um problema a ser resolvido, se lançando em uma jornada física ou emocional para solucionar esta questão. Geralmente é personificado pelo protagonista e é ele quem vai conduzir a história, o desenvolvimento da trama está pautado nas suas ações perante o ambiente que lhe é apresentado e no resultado destas ações – é o ponto mais forte na maioria das histórias.             A principal característica que define o Herói é a capacidade de se sacrificar em nome do bem estar comum, e sua função é o aprendizado.

O arquétipo do herói é o motivador do processo de desenvolvimento da consciência, pois inicia sua jornada retirando-se do mundo externo para adentrar o mundo interno, pelas regiões causais da psique, onde estão as dificuldades, tornando-às claras e extirpando-as em favor do desenvolvimento psíquico.

Neumann diz,

O herói é o precursor arquetípico da humanidade em geral. O seu destino é o modelo que deve ser seguido e que, na humanidade, sempre o foi – na verdade, com atrasos e intervalos, mas o suficiente para que os estágios do mito heróico façam parte dos constituintes do desenvolvimento da personalidade de cada indivíduo (Neumann, 1990, p. 107).

O personagem do Vilão é extremamente importante, representa as qualidades negativas e as inadequações que o colocam na oposição da figura do Herói, pode ser o adversário que é o responsável pelos problemas do herói e, às vezes, permanece escondido até o clímax história – o que pode acrescentar uma tensão dramática ao jogo. O Vilão tem vida própria e só poderá se transformar por meio da experiência vivida, ou seja, que tenha um registro emocional.

O Vilão é o arquétipo da sombra.  É o outro lado da personalidade do Herói, a parte obscura da psique deste. Exprime o lado não aceito da personalidade assim como se constituiu, e, portanto é, de um lado, o conjunto de tendências, características, atitudes e desejos inaceitáveis em relação ao complexo do “eu”; e do outro, o conjunto das funções indiferenciadas ou fracamente diferenciadas em relação às funções psíquicas.

A sombra é uma unidade complexa dotada de vitalidade autônoma, fundamentalmente entendida como o negativo de cada indivíduo. Surge então a expressão “sombra do eu”, que indica especificamente o conjunto de modalidades e possibilidades de existência reconhecidas pelo sujeito como não próprias, seja enquanto negativas ou não-valores em relação a valores já codificados na consciência: considera-se que tais elementos fiquem alienados de si para defender e ao mesmo tempo constituir a própria identidade, embora com o risco de parar indefinidamente o devir da pessoa humana. Neste sentido a experiência da sombra é experiência da definição de si e do limite que, enquanto tal, constitui a atual identidade do sujeito.

O Mentor é o personagem que frequentemente guia o Herói em direção à ação e fornece as informações necessárias para o Herói embarcar na sua jornada. É uma projeção do que o herói se tornará ao fim de sua aventura. Normalmente é um personagem mais velho que é conselheiro e orientador – alguém que pode ter estado no lugar do Herói em outro momento – e em virtude disso tem condições de transmitir a sabedoria apreendida na experiência de fazer uma jornada semelhante. Ele dá avisos e dicas importantes durante o jogo.

O mentor é o arquétipo do Si-mesmo que constitui o arquétipo central da psique humana. É o principio ordenador e unificador da totalidade da psique consciente e inconsciente, atrai para si e harmoniza os demais arquétipos e suas atuações nos complexos e na consciência.  Atua como a fonte criadora e reguladora de nossa vida psíquica.

No processo de individuação o objetivo é conhecer a si mesmo tão completamente quanto possível. Nesta jornada o indivíduo precisa diferenciar e integrar todas as instâncias psíquicas em relação ao Si-mesmo, e isto só se realiza na medida em que o “eu” permite que as experiências se tornem conscientes, resultando assim em um desenvolvimento do individuo no âmbito espiritual e coletivo. A meta final é chegar a um estado de auto-realização e de profundo conhecimento do próprio “eu”, essa é a tarefa de uma vida.  Alcançar essa auto-realização depende da cooperação e estruturação do “eu”, pois após um longo processo de transformações internas impõe-se o sacrifício do “eu”, que reconhece sua posição subordinada e está preparado para servir à totalidade – o Si-mesmo.

Os Aliados são personagens que ajudam o progresso do Herói na sua jornada e também o auxiliam com tarefas que poderiam ser difícil ou até impossível de realizar sozinho.

A característica deste arquétipo é a mudança. Pode estar representado por uma personagem, muitas vezes de sexo oposto ao do herói, que apresente uma mudança de aparência ou de espírito, de forma que não é possível prever suas ações. O herói fica em dúvida com a relação à fidelidade do aliado /camaleão, ele pode ser um aliado do Herói ou um aliado da sombra.

Este personagem remete ao Animus e Anima.

Anima e animus são termos latinos que indicam a imagem da alma de um indivíduo, respectivamente masculina ou feminina. Simbolizam a característica contra-sexual de cada um, parte do princípio da complementariedade, através do qual a psique se move. São imagens psíquicas, configurações originárias de uma estrutura arquetípica básica, provenientes do inconsciente coletivo. São subliminares à consciência e funcionam a partir de dentro da psique inconsciente, influindo sobre o principio psíquico dominante de um homem ou de uma mulher.

Jung enriqueceu sua definição de anima e animus chamando-as de “não eu”, pertencente à sua alma ou espírito. A compreensão e a integração de cada uma dessas imagens exigem uma parceria com o sexo oposto.  É uma tarefa primária no desenvolvimento psicológico, discriminar e examinar os aspectos deste par de opostos.

A possessão pela anima-animus transforma a personalidade de modo a dar proeminência àqueles traços que são considerados psicologicamente característicos do sexo oposto.  Ambos tornam-se unilaterais. Estas intervenções são experimentadas como a ação destrutiva do “Aliado do Vilão”, ou se já, da sombra, levando ao desequilíbrio e a unilateralidade

Já, intervenções psíquicas do chamado animus-anima, positivos, são experimentadas como a ação bem vinda do “Aliado do Herói”, que leva ao equilíbrio e a sensação de completude.

O Guardião tem a função de bloquear a caminhada do herói de todas as formas, até que este tenha provado seu valor. Ele testa o Herói e este ao responder corretamente seu teste prova ser digno de continuar sua jornada. Algumas vezes o Guardião é um “capanga da sombra” e pode representar também um bloqueio que existe dentro da mente do Herói como insegurança, medo, desconforto – que faz o personagem hesitar em continuar a viagem. Enfrentar o Guardião é uma fase preparatória e necessária para que ele se fortaleça para enfrentar o Vilão. O Guardião é uma prévia da batalha final.

Ele pode estar representado por desafios e obstáculos do cenário, objetos, pensamentos – não precisam, necessariamente, ser personagens da história para se fazerem presentes e, depois de serem ultrapassados se tornam um ponto de força do herói.

O arquétipo do Guardião representa os complexos.

Os complexos são aglomerados de sentimentos, pensamentos e lembranças carregados de forte potencial afetivo, incompatíveis com a atitude consciente, eles são como pequenas personalidades independentes, autônomas e separadas da personalidade total.  São um obstáculo ao ajustamento do indivíduo.

Qualquer experiência que tocar o complexo provocará uma reação exacerbada, com força própria, que pode atuar de modo impetuoso e veemente no controle de nossos pensamentos e comportamentos, razão pela qual se diz que “uma pessoa não tem um complexo: o complexo é que a tem”, ela não o percebe, mas ele é facilmente percebido pelos outros. Neste momento, simbolicamente, o “Capanga do Vilão” venceu o Herói.

Na posição oposta, dentro de um processo consciente de desenvolvimento busca-se a dissolução e diferenciação do complexo para partir para uma progressiva conscientização, buscando a assimilação e integração à consciência dos conteúdos coletivos representados pelos arquétipos. Este processo leva a uma transformação da personalidade, gerando uma ampliação da consciência que passará a ser um ponto de força do indivíduo.

O Trickster é um personagem neutro que gosta de fazer travessuras, mas também pode causar danos severos através de suas brincadeiras. Estas podem impedir o Herói de progredir ao longo de sua jornada. Estes personagens podem ser ajudantes do Herói ou até mesmo um personagem Vilão. Este arquétipo carrega em si o desejo de mudança da realidade. A sua função é acordar o Herói para a realidade, denunciando a hipocrisia e as incoerências.

Do ponto de vista psicológico o Trickster personifica a função transcendente.

A função transcendente engloba os elementos criativos da psique que podem superar conflitos insolúveis pela mente consciente.  Através da descoberta de um novo meio, valor ou símbolo é possível superar a oposição entre o “eu” e o inconsciente, que operavam como dois sistemas separados e opostos. É a síntese, a união dos opostos.

O processo exige que o “eu” possa manter sua posição em face da contraposição do inconsciente, para que ambos estejam em condição de igualdade para que na confrontação entre os dois gere uma tensão carregada de energia e manifeste-se a função transcendente.          A função transcendente é um aspecto de auto-regulação da psique, manifestando-se por meio do símbolo, imagem que personifica a totalidade da situação psíquica. É experimentada como uma nova atitude diante de si próprio e da vida.

A análise dinâmica desses personagens permite uma aproximação dos temas arquetípicos psicológicos correntes na atualidade. A realização do ciclo heróico, tal como formulado por Joseph Campbell evidencia tais características.

Do ponto de vista simbólico, o avatar Herói está enfrentando e elaborando aspectos da sombra. Conteúdos reprimidos do inconsciente pessoal são resgatados, produzindo a tensão dos opostos que possibilitará uma ampliação do contato com os próprios sentimentos e o consequentemente uma amplificação dos aspectos relacionais. Elementos não-desenvolvidos, qualidades mantidas inconscientes, ganham forma nas projeções identificadas na figura do avatar Vilão. A tensão entre opostos fica evidenciada, com menor tendência à unilateralidade. Esse processo de ampliação da consciência permite que o Herói ultrapasse uma visão bidimensional da realidade e busque novas perspectivas, que o aproximam da complexidade humana.

Campbell (1990, p.140) afirma que não devemos ser contra a tecnologia, a indústria e a ciência, mas sim estarmos atentos ao “perigo do entusiasmo excessivo”, enfatiza que não há conflito entre a mitologia e a ciência, visto que a ciência “abre o caminho, na direção das dimensões do mistério” e desta forma se aproxima da esfera de que fala o mito.

E para terminar, ele nos ensina o caminho das pedras:

Temos apenas de seguir a trilha do herói, e lá, onde temíamos encontrar algo abominável, encontraremos um Deus, E lá onde esperávamos matar alguém, mataremos a nós mesmos. Onde imaginávamos viajar para longe, iremos ao centro de nossa própria existência. E lá, onde pensávamos estar sós, estaremos na companhia do mundo todo.

Referências Bibliográficas:

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