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Adoção, pais sem filhos e filhos sem pais: ambos precisam ser acolhidos

Adoção, pais sem filhos e filhos sem pais:

ambos precisam ser acolhidos

Edna G. Levy

Nos dias de hoje, a adoção é exercida com maior naturalidade do que em tempos passados, em que havia a pecha da vergonha impelindo as famílias a esconder a origem de seus filhos, ou melhor, tentava-se esconder de tudo e de todos, até que um belo dia… a confirmação chegava aos ouvidos do/a filho/a adotivo/a. E nesse momento, em condições desvantajosas pela descoberta do segredo familiar, a família era obrigada a confrontar-se  com seus medos e angústias, e a lutar para reconquistar a confiança perdida diante da descoberta da adoção.

Segundo o Dicionário Aurélio Buarque de Holanda Ferreira,  adoção significa  “aceitação voluntária e legal de uma criança como filhoperfilhação”.

Há uma grande preocupação com as crianças, e ninguém pode negar a importância deste lado da questão da adoção, mas tão importante quanto olharmos o bem-estar das crianças é olharmos com acolhimento para os “aspirantes a pais.”

Fala-se que, na história das famílias adotivas, as feridas centrais são o abandono e a rejeição, primeiro relativamente à criança, o que gera uma marca indelével de quebra de vínculos afetivos; segundo, o medo dos pais adotivos de serem abandonados ou rejeitados no futuro, quando seus filhos quiserem buscar suas origens.

Mas na experiência vivida, a adoção envolve muito mais do que o conceito jurídico de perfilhar, pois se assim não fosse as clínicas psicológicas não estariam cheias de casos de pais biológicos que não conseguiram “adotar” seus próprios filhos, sendo o inverso igualmente verdadeiro. Observam-se constantemente filhos biológicos que não adotaram seus pais biológicos.  O filho biológico, com o vínculo de sangue,  não traz consigo a garantia de sentir-se aceito, assumido, acolhido e amado, o mesmo ocorrendo em relação a seus sentimentos pelos pais, ou sua afinidade com eles.

Os “aspirantes a pais” também precisam receber proteção e cuidado emocional, na busca das razões que os impulsionam a perseguir o projeto da adoção, no sentido de terem  consciência de que razões subjetivas  os movem no plano de se tornarem pais, pois as razões objetivas são óbvias e claras para todos.

As motivações da adoção são de suma importância, pois podem ser determinantes do sucesso ou fracasso da relação familiar, gerando conseqüências psicológicas danosas para ambos os lados.

É preciso descartar as motivações que dão margem a uma interpretação ambígua, tais como:

  • as filantrópicas, que por princípio já são grande equívoco, pois seu foco está no amor à humanidade e não a UM SER individual, com suas particularidades;
  • o preenchimento de grandes lacunas emocionais, como a perda de um filho querido; preencher o vazio interior ou concreto da vida de alguém; a tarefa de salvar um casamento que está naufragando, ou até a hipotética garantia de cuidados e companhia na velhice; etc.

uma criança ou adolescente não pode chegar a uma família incumbido de  uma destas missões, pois o peso da responsabilidade de resolver qualquer problema do casal provavelmente arruinaria o relacionamento.

Entre os aspirantes a pais, é comum observarem-se casais desgastados e exauridos física, financeira e psiquicamente, em conseqüência dos tratamentos de fertilização, aliados ao sonho frustrado de constituir a família idealizada e à cobrança social e familiar de “ter que” ter filhos.

Embora possa parecer absurdo, o julgamento, o preconceito e a rejeição da sociedade podem ser inflexíveis para com os casais que crêem que se bastarão enquanto célula familiar e assumam que não precisam ou desejam viver a experiência da maternidade/paternidade.

Há sempre a pergunta que não quer calar… “Quando vocês terão filhos?  O tempo está passando!”; ou então o casal amigo, com sua prole: “Por que vocês não adotam uma criança?… Pais são aqueles que criam e amam do mesmo jeito!”.

É preciso parar para refletir: será que este casal, no mais íntimo do seu ser, deseja viver a experiência da paternidade? E se pensa em adoção, tem consciência do papel para o qual este filho está destinado?

Portanto, as faltas, as lacunas emocionais, frustrações e carências estão presentes em ambos os lados: nos filhos sem pais e nos pais sem filhos, ambos precisando ser acolhidos.

Da mesma forma, não podemos esquecer as fantasias e ambivalências, com relação a que lugar estes pais ocuparão na vida de seus futuros filhos, muitas vezes se qualificando como “menos pais” do que qualquer casal de pais biológicos, em conseqüência do possível sentimento de inferioridade decorrente da incapacidade de gerar filhos;  outras vezes, esta incapacidade física é vivida como uma punição por um aborto praticado, ou como uma denúncia do que pensam ser uma “deformação psicológica”, por não sentirem desejo ou aptidão para viver este papel. Só neste pequeno vislumbre percebemos que a adoção traz à tona múltiplos sentimentos, às vezes antagônicos e paradoxais.

Os equívocos ou falta de êxito não acontecem deliberadamente. Quando um casal se candidata à adoção, acredita verdadeiramente que este é o seu desejo maior e que está pronto para isso, muito embora, com o passar do tempo e a dor das dificuldades, por vezes se dê conta de que essa não era a realidade. Mas este desacerto nada tem a ver com falta de amor, e sim com falta de auto-conhecimento e/ou do outro, ou ainda das verdadeiras necessidades emocionais do casal.

Enfim, é preciso estar conectado com as necessidades “da alma” e agir impulsionado pelo significado emocional da adoção, de acordo com os princípios da essência verdadeira, o “eu” interior.

O filho adotivo, assim como seus pais, não tem um período de preparação para elaborar a nova estrutura familiar, pois sua chegada à família, via de regra, acontece de forma  abrupta e inesperada. Assim, a elaboração da nova estrutura familiar é construída durante o desenvolvimento da relação pai-mãe-filho, já em pleno desempenho do papel de Pai-Mãe, sendo que o vínculo afetivo se estabelece com a convivência, assim como ocorre na relação entre filhos e pais biológicos.

Dedicar-se profundamente à descoberta do significado emocional da adoção simboliza a “gestação emocional” para o casal adotante –  pai e mãe se preparam para receber o novo membro da família.

Esse período de gestação simbólica propicia ao casal a oportunidade de conceber este projeto de vida, que envolve a escolha, a opção e a aceitação de um ser único, diferente na genética e tão igual na  busca por ser eleito e adotado;  elaborar as motivações de cada um, os medos, fantasias e frustrações, assim como os sonhos e  idealizações; produzir uma ação curadora e preventiva, que possibilitará um maior êxito na adoção realizada de forma madura. E ainda, que tal qual em um parto induzido, aquele cujo trabalho é provocado por meios instrumentais, este é induzido pela reflexão e auto-conhecimento, elementos fundamentais para esta forma de dar à luz a pais adotantes plenos, conscientes, e mais preparados para uma das grandes aventuras da vida: a parceria de pais & filhos.

Edna G. Levy  é Psicóloga, Analista Junguiana e Terapeuta Didata de Sandplay, membro do IBTSandplay-Instituto Brasileiro de Terapia de Sandplay e da ISST- International Society for Sandplay Therapist (Suiça).

E-mail:ednalevy@jogodeareia.com.br; Web site:www.jogodeareia.com.br